Por Rui A. Pereira
Nasce um novo dia, abre-se um olhar em redor: o antever de uma realidade como tantas outras. Lá fora o tempo espreita-nos, espia-nos, com a indiferença de todos os que por aí, passo a passo, convergem alheios a tudo. O acalentar diurno não é o bastante para iluminar as horas desperdiçadas – para trás fica a memória turva que dissipa a mais insignificante expectativa de alegria. E um clarão no romper da escuridão, é como um atalho apertado que ao conhecer o seu caminho iluminado descobre o seu tesouro. O desobstruído pela luz desagua num novo lugar: um barco, uma caravela, um coração rubro, com um anjo e/ou um diabo à proa abre-nos as asas aos ventos mais inconstantes e navega, e voa, irrompendo todo um imaginário enfeitiçado pela parábola. Nesse mundo então descoberto encontramos novas formas, a matéria do corpo terracota, objectos moldados pela cor, por mãos que tocam, que adjectivam, que inventam novos moradores, neste novo domicílio. E assim se inventa um cavalo, cor de fogo, veloz como o vento e vaidoso como uma flor deslumbrante azul e verde. Nesse cavalo podemos guardar todos os nossos segredos porque este é também um baú, uma caixa cerâmica onde guardamos todas as cores do arco-íris, as nossas guloseimas coloridas de menino ou menina num pote encantador. E o galo córó-cócó que canta o novo amanhecer desperto para o sonho deste universo mágico. O pintainho branco e amarelo, de penteado encrespado, faz soar as suas primeiras palavras, segundo uma linguagem figurada por este novo amigo piupiu e com a primavera nascem flores cor-de-rosa e a florista percorre, com a sua cesta, todo este lugar dando a conhecer o que floresce e uma jarra branca tem um rosto que nos sorri com os seus lábios em forma de coração e os olhos parecem-se com dois sóis.
E nesta floresta repleta de flores passeia-se um negro lobo mau, que aqui nunca o foi, porque aqui tudo é enfeitiçado pelo perfume das rosas amarelas, brancas e das outras cores, com malmequeres que são bem me queres e outras plantas que rebentam com a fantasia primaveril. E um caracol, com a sua carapaça, transporta esta nossa casa, que é a sua casa, que é também um pote cerâmico, e é no essencial a ideia da nossa casa protectora, do nosso mundo mais fraterno. E aqui o rei dourado não é tirano, não quer tudo só para ele, não é egoísta, não é o “Sebastião” que come tudo, tudo, tudo… é senhor “bigodes” sempre disponível a ajudar, a dar o máximo de si, para que todos juntos, animais e os humanos coexistam em harmonia solar e nocturna. Os dias aqui nascem, adormecem e nunca morrem – uma vida plena sem fim, porque a imaginação ilimitada da Inês Melo é o mote para estas peças cerâmicas por si abraçadas e a nós oferecidas para nos deliciarmos com os nossos olhos.